A Conversa como formato

Marcelo Gluz
9 min readMay 10, 2021

Design conversacional para robôs com personalidade

Por Alice Lerner e Marcelo Gluz (parte de Ouça & Leia Outra Coisa)

Na mesa de bar, na entrevista de emprego, no caixa do banco ou no almoço de domingo, a conversa sempre foi a nossa mais constante e onipresente interface com o mundo. Afinal, a linguagem faz de nós humanos e nos permite compartilhar o sentido das coisas que estão ao nosso redor.

Na era digital, intermediados por um ou outro gadget, a premissa se manteve verdadeira: segundo um estudo da Twilio, cada pessoa tem em média 3 aplicativos de mensagem na home do seu smartphone e pesquisas indicam que 90% do tempo de tela nos celulares é gasto nas plataformas de mensagens e no email.

Com números corroborando o uso massivo dos aplicativos de mensagem e usuários desejosos por experiências mais fluidas e personalizadas, era natural que o design se apropriasse da conversa como interface e começasse a projetá-la como um produto digital. Mas quem está acostumado a navegar em pixels faz o que com as palavras?

Nota: Se quiser navegar por esse conteúdo em áudio, busque "Ouça Outra Coisa" no Spotify ou na sua plataforma favorita de podcasts. Esse artigo tem relação com o episódio 4!

Entendendo o Design de Conversa

Conversation Design é uma linguagem de design baseada nos diálogos humanos, que sintetiza diferentes disciplinas de design para entregar produtos conversacionais, como um chatbot ou assistente virtual, mas também para mecanismos conversacionais em produtos não conversacionais, como um app ou um site. Embora seja baseado na conversa entre dois seres humanos, o design de conversa define o comportamento de um robô, ou ao menos ele define a interface entre alguma inteligência de máquina e um usuário. O elemento que caracteriza essa interface é a alternância de turnos. Ou seja, o ping pong entre o robô e o usuário.

A grande beleza do design conversacional é que a interface tem a oportunidade de perguntar coisas pro usuário, interpretar a mensagem e devolver uma resposta. Então, a interface conversacional é uma esponja de aprendizado. Ela tem uma capacidade incrível de absorver informações sobre quem a está usando e devolver esse aprendizado na forma de uma experiência personalizada.

Expectativa x realidade

Há 4 ou 5 anos o hype ao redor dos chatbots chegou às alturas e todo mundo queria um produto conversacional pra chamar de seu. Mas com tanta expectativa criada pelos cases animadores e alimentada pela ficção científica (quem se esqueceria da Samantha de HER?), muita gente ficou esperando uma revolução que acabou com sabor de promessa incompleta.

Segundo Nicolau Ballesté, Gerente de Produto da Outra Coisa, a expectativa ao redor do que os produtos conversacionais poderiam fazer foi muito inflada pelo IBM Watson e os demais assistentes virtuais de filmes que se fixaram no inconsciente coletivo. Nesse sentido, é fundamental alinhar com usuários e clientes as reais possibilidades de cada produto e, principalmente, não prometer mais do que a inteligência será capaz de entregar. Os melhores chatbots, desde o início, deixam muito claros seu propósito e capacidades.

Se antes havia uma ideia de que os chatbots deveriam ser capazes de falar sobre tudo, hoje entendemos que é mais vantajoso focar em determinadas áreas e atendê-las muito bem. Não adianta tentar emular uma conversa humana, porque ainda estamos muito longe desse patamar. É preciso honestidade intelectual, humildade e transparência para focar e investir naquilo que o produto fará de melhor.

Explorando as possibilidades

Quando falamos de design conversacional é importante lembrar que estamos falando de um princípio de design e não de um formato específico. Cada marca tem uma estratégia e uma abordagem particular, mas podemos analisar algumas variáveis que ajudam a compreender as muitas possibilidades de um produto conversacional. Vamos lá?

No que diz respeito aos formatos, existem os chatbots, web bots, experiências de voz e até mecanismos conversacionais inseridos em sites e aplicativos, como falaremos mais adiante.

Mas independente do formato, existem dois principais modelos de conversa que impactam diretamente no estilo e no custo da experiência. O primeiro é aquele em que o produto é integrado a alguma AI que permite o processamento de linguagem natural (NLP). Nesse caso o usuário pode falar livremente enquanto o robô tenta compreendê-lo para encaminhá-lo em determinada direção. No segundo modelo temos as “conversas guiadas” que são projetadas com um direcionamento claro e não aceitam input livre, somente respostas previamente planejadas.

Quando falamos sobre esses dois modelos é importante ter clareza de qual caminho estamos seguindo e deixar isso claro para o usuário, para não gerar nenhuma espécie de frustração. Se você promete input livre, vai ser avaliado por isso.

Outro aspecto importante a se considerar é o propósito do produto. Como era de se esperar, os chatbots ficaram muito famosos na área de atendimento ao cliente, onde a natureza da interação sempre foi conversacional e o potencial de redução de custos é muito grande. Mas hoje vemos essas experiências se estenderem para a área de notícias, campanhas de marketing, entretenimento infantil, gestão de agenda, player musical, informações de clima e tantos outros. E não pára por aí, o Google Assistant, por exemplo, vem explorando um viés transacional com funcionalidades de Voice Shopping para diminuir a fricção no processo de compra.

Mas o que é mais interessante observar com relação ao propósito de um produto conversacional é se ele tem um caráter mais funcional/task oriented ou se ele se enquadra mais em uma experiência de marca. Enquanto o primeiro demanda uma personalidade mais fria e pragmática para a realização de tarefas, o segundo abre espaço para mais tempero, com um tom de voz mais trabalhado e uma identidade mais expressiva que represente a marca.

A última variável que deve ser observada na hora de criar uma experiência conversacional é a natureza do conteúdo, que pode incluir texto, emojis, figurinhas, gif, vídeo, imagem, documento, lista e muito mais. Aqui é preciso lembrar que, como em uma conversa entre amigos, o formato deve respeitar a melhor forma de expor aquela informação. Afinal, nem todas as conversas precisam ser 100% verbais, né? 😉

Mecanismos conversacionais em produtos convencionais

Produtos baseados em conversas são cada vez mais frequentes em diferentes nichos. O Quartz, por exemplo, é um aplicativo de notícias que chama a atenção pela simplicidade da interação. São enviadas pequenas mensagens sobre as novidades, como se você estivesse com o chefe de redação no WhatsApp. Cada mensagem é uma isca de conversa. Se você estiver interessado, recebe mais informações. Senão o Quartz muda de assunto e te manda outra notícia.

Já o Joco, plataforma de aprendizado conversacional criada pela Outra Coisa, aposta em micro-learning e oferece pílulas de conteúdo em pequenas jornadas de 5 minutos. Aproveitando os micro-momentos de tédio do nosso dia a dia, Joco transforma tempo ocioso em aprendizado por meio de conversas que exploram diferentes formatos.

Mas nem sempre os produtos precisam ser completamente conversacionais como esses apresentados aqui em cima. O design conversacional pode e deve ser usado também dentro de sites e apps. Nos sites, ao invés de você apresentar uma mesma interface para todos os usuários, você pode conhecer ele um pouco melhor e então direcionar para algum pedaço do site que resolva o seu problema. Já nos aplicativos, o uso recorrente cria uma certa intimidade, e nesse caso o design de conversa pode ser muito adequado, até mesmo chamando o usuário pelo nome.

Um exemplo bacana de como incluir mecanismos conversacionais em produtos convencionais é o site da Estácio, que fizemos aqui na Outra Coisa. Já no começo do projeto sabíamos que se trataria de um site enorme com uma navegação bastante complexa que desse conta da capilaridade de uma das maiores universidades do país. Mas em determinado momento começamos a sentir a necessidade de pegar o usuário pela mão e ajudar ele a navegar por essa complexidade. O resultado foi um fluxo conversacional que se tornou o elemento principal da home da Estácio e cujo objetivo é entender a demanda do aluno e oferecer pra ele ou ela o melhor conteúdo possível para auxiliar na escolha de um curso.

O que observamos, ao longo da nossa experiência, é que mecanismos conversacionais são uma ferramenta valiosa quando usados de forma independente, mas também podem ser um diferencial memorável filtrando conteúdo e direcionando usuários na trama de produtos digitais complexos. Ninguém gosta de ficar caçando links no rodapé de um site, né?

Processo criativo e habilidades

Agora que entendemos os diferentes tipos de produtos conversacionais, vamos falar sobre o processo e as skills necessárias para criá-los?

Na Outra Coisa acreditamos que a equipe ideal conta com um UX designer para cuidar dos fluxos e da arquitetura do produto; um visual designer para criar os assets visuais; um conversation designer para pensar no tom de voz e na personalidade, além de escrever todos os textos; um desenvolvedor backend para cuidar da implementação e, claro, um gerente de projeto para colocar ordem na casa.

Com a equipe definida, hora de colocar a mão na massa! O primeiro passo para criar um produto conversacional é entender com quem estamos falando. Para atender o usuário de forma empática e entregar para ele o que está buscando é necessário conhecer profundamente suas necessidades.

Em seguida, é preciso mergulhar no universo da marca para definir a personalidade e o tom de voz. Para isso, temos uma metodologia que envolve o estudo de arquétipos, de posicionamento e de linguagem. Essas definições vão nos guiar ao longo de todo o processo de criação, pois olhando para elas sempre saberemos qual o formato nossa conversa deve ter.

A Marcinha, por exemplo, é a personagem que a Outra Coisa criou para o bot da Natura, com uma personalidade bastante expressiva e descontraída que reforça os valores da marca. Com um sotaque mineiro carregado de “Uais” e de gírias como “bafo”, ela não só passa um conhecimento, mas também envolve o usuário numa conversa divertida carregada do DNA de Natura.

A Mari, do Futura (veja vídeo acima), é uma contestadora, enquanto a Mila do Hospital Einstein (imgem abaixo) precisa ser afetiva e carinhosa porque as pessoas com quem ela conversa estão num contexto de sofrimento, necessitando dessa atenção. Não importa se somos engraçados, usamos gírias e escrevemos com abreviações ou se somos recatados e formais utilizando somente a linguagem verbal. O fundamental é que a personalidade deve pautar todas as escolhas, trazendo consistência e verossimilhança para o personagem que estamos criando.

Ao longo de todo o processo, o mais importante é ter empatia com o usuário e transparência com relação às capacidades do bot. Não tem porque fazer o usuário se frustrar respondendo várias perguntas para no final concluir que o bot não tem capacidade de dar a informação que ele busca, né?

E para finalizar, uma dica para designers: o segredo da construção de robôs com personalidade é saber dosar a quantidade de tempero que colocamos nos nossos personagens. O processo acima nos guia na criação da personalidade e tom de voz, mas, dentro dos padrões definidos, vai ficar a cargo do designer saber quanto explorar em cada situação. Assim como em qualquer boa conversa, é na sutileza que se esconde a conexão emocional.

👉🏼Este artigo é parte do projeto Ouça e Leia Outra Coisa.

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Marcelo Gluz

Brazilian designer, entrepreneur, writer and visual artist. Founding partner of Outra Coisa.